segunda-feira, 20 de agosto de 2012

O embate...

A Estrada de Catete, atira-nos para outro mundo. Em meados de Junho, 2 dias depois de aterrar em Luanda, desaguei na Estrada de Catete. Em filas com centenas de carros, espelho com espelho, lá fui procurando uma aberta para mudar de faixa e poder circular com mais á vontade. Luta inglória! Na Estrada de Catete, os carros nascem do pavimento. É o reino da Toyota e dos camiões  voadores chineses; é a patria de taxistas e candongueiros; é a terra dos Baldex, dos Kewezeki, dos Kawazeki e dos Kiwiziki, uns miraculosos triciclos motorizados importados da China que podem transportar cargas incrivelmente pesadas e volumosas.
Conduzir ali é como andar na montanha russa: nunca se sabe a potência do murro no estômago, que é como quem diz, é o sitio onde vai ver coisas que nunca viu e, provavelmente, nunca mais verá em lugar algum. Por ali voam motorizadas a circular livremente em contramão; milhares de pessoas que brotam, literalmente, de uma espécie de passeios de terra, atravessam a estrada obrigando os condutores a desvios no último segundo ou a travagens constantes; a Estrada de Catete é um mercado com quilómetros de extensão ladeando o asfalto. Acho mesmo que será o mercado mais comprido do mundo!
Em três meses de viagens diárias Luanda-Viana, aprendi que esta via é a artéria aorta da capital. Por ali circula tudo o que a cidade necessita para alimentar as suas centenas de milhares  de habitantes e as inúmeras obras que alteram o seu aspeto. É como um rio de caudal constante e a actividade económica que gira á sua volta, é essencial ao dia a dia do próprio país.
Aqui contarei as histórias da gente que me acompanhou nesta aventura africana e ás quais me liga um sentimento de franca amizade e respeito pela sua luta diária pela sobrevivência. Aqui contarei a história do Fininho, Domingos de nome,"o bom malandro", bom operador de qualquer coisa que tenha motor, mas refilão; do Hornela, também Domingos,  o " boxeur da noite", um condutor de camião tão magro como uma alavanca de velocidades; do Cristo, Cristóvão de batismo, "o sorridente", um tipo calmo e com uma piada sempre pronta a sair; do Sebas, Sebastião de registo, "o calado", sempre preocupado com um velho FIAT minúsculo, cheio de avarias diárias; do Vicente, "o mágico", motorista de general que agora conduz um porta máquinas e que tem o dom de desaparecer em segundos da vista de todos; do Pitra "o mergulhador da camanga", mecânico habilidoso de mãos e bem falante; do Paulo, mecânico de humores e amores que, por causa das mulheres (3 ao que dizem), passou um mau bocado e ia ficando sem pio; do Sr. Pinto, português, expatriado, chefe da oficina e operador de milagres, cuja capacidade inventiva e de desenrrascanço é notável; do Mário, um pedreiro com 3 ajudantes, perfeito no que faz mas lento como as tartarugas; do Beja, um serralheiro ex-seminarista, que sabia tudo e era teimoso como uma mula; do Bernardo, segurança na Fazenda e ex-caçador de crocodilos e toda a bicharada na Lunda Norte; do Dinis, sempre preocupado com os problemas familiares e detentor do maior sorriso de Angola; do David, filho de Soba, ex-sargento, com 2 mulheres (o avô tinha 4); do Júlio, "o dorminhoco", um jovem segurança que não pode ver uma cadeira vazia, onde se senta e logo faz companhia a Penates, o deus do sono; do Jesus, que diz que nasceu na guerra, cresceu na guerra e viveu na guerra; do Avelino que partiu em viagem para Malange em busca de outra mulher para substituir a que o abandonou; do Baíca, o "Dom Juan" do celular; do novo segurança, o Jeremias, que teve direito a umas botas que o obrigam a dar dois passos antes de sair do mesmo sítio; das zungas (as vendedeiras ilegais) e das quitandeiras(as legais); dos gira-bairros, Toyotas Corolla, de cor vermelha, a cair de podres e que milagrosamente circulam até ao 1º acidente, onde são abandonados; dos kumpapatas, os taxi-triciclo; dos candogueiros (taxistas ilegais) com os seus Toyota Hiace, amarrados por arames que condicionam todo o trânsito citadino; dos pedregulhos abandonados na estrada que substituiram, após uma paragem forçada, o triãngulo de sinalização; etc.
A Estrada de Catete é o paradigama da Angola actual: sempre viva e dinâmica, sempre surpreendente, sempre esperançosa em melhores dias.
A Estrada de Catete tem mil histórias, todas de vida, todas humanas! Espero ser capaz de as contar!

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